domingo, 27 de março de 2011

domingo, 25 de julho de 2010

Desaguamento



Meu olho d’água cegou
E o último fio corre
Querendo alcançar o mar
Ah, mas quanta aridez se encontra
Ao longo desse caminho...
É tanta pedra
Tanta poeira
É tanto espinho
Que talvez fosse mais certo
Eu me açudar por aqui
E, conformado, esperar
Algum novilho com sede
Ou até mesmo, quem sabe
Que o sol, com suas línguas de fogo
Me lambesse todo
Cada molécula em mim
E que eu virasse vapor
E que chovesse lá longe
Ou que sumisse no vento
Como uma nuvem frustrada
Que nada em mim é perpétuo, nada!
Nem mesmo a minha alma
Esse rio que escorre e morre
Como se fosse uma lágrima.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A Jair Monsores

Não, não quero acreditar
Que a morte te venceu,
Que ela, que é tão velha,
Pode alcançar, assim, tua alma de menino...

Tu que eras dono do mundo
E que plantavas saudades
Como quem espalha uma selva
Pelo quintal da memória;

Tu que trazias nos olhos
Um tempo que não passou
(visto que nunca existiu,
exceto em teu coração)...

Não, não quero acreditar
Que o sol se recolheu,
Que a vida abriu mão de ti

Quero, antes, acreditar
Que tu é que renunciaste,
Cansado dessa estrada vã
E te puseste, sentado, sereno,
Á sombra d’uma mangueira
A desfiar, inteira, a tua vida;
E que sorriste, gaiato,
Ao vê-la chegar tão esnobe,
Como se fosse possível
Matar o que não se morre.





Eu e meu grande amigo Jair Monsores, a quem a morte pensa ter vencido.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Amor Fantasma

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Como um fio de brisa matutina
Ele transpôs, sutil, a fisga mais fina da janela
E penetrou em seu quarto, volátil.

Ela jazia ali, em sono profundo
Um sono assim... deveras belo. Um sono de feto. Um sono de Deus

Ele pousou num canto, de cócoras – inerme morcego invisível

Não tocou em nada
Nenhum livro agora haveria mais de o seduzir
Nem as roupas dela, soltas pelo chão
Nem seus discos antigos
Nem a velha guitarra
Nada

Só ela, branca, sob a penumbra do quarto

E ele ali, curvado. Olhos fitos nela, como se buscasse
Vestígios do derradeiro sonho que ela talvez sonhara

O cheiro do mar, ou do campo
O trinar de um rouxinol
O branco das roupas lavadas
O vento desvairando grãos de poeira tarde afora

Mas só ouvia o silêncio, ecoando como um tiro mudo
E quis chorar. Até pensou ter sentido mesmo lhe marejarem olhos
Ele, cigano ectoplasma
Um ente agora informe
Errante
Ser sem chão

E, absorto em si
Rendeu-se, pois, ao caos
E esperou, sereno, a alma dela vir juntar-se à sua.
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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Roaarrr!!

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Tu vens e não vens
E eu fico escondido
E eu fico hibernando...

Tu tens e não tens
Te dás e te olvidas
Me amas e não...
E eu fico sozinho
(Qual anjo maldito)
E eu fico feliz...

Sem mim e sem ti...

Eu voo e não vou...

Tu tens e não vens
E te amo escondido
Em minha caverna
De esperança e medo...
...
..
.

Árido

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O MEU PEITO
É UM AÇUDE SECO
E O MEU CANTO É UM ECO
NA CACIMBA FUNDA DA DESILUSÃO...

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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Poema em Preto e Branco

(ou Depois de um Filme Antigo)




Eu queria mesmo era voltar atrás,
Viver lá no mundo onde o mundo
Era ainda em preto e branco,
Quando os homens (e os carros) andavam,
Todos, harmoniosos e sempre ligeiros,
Porém, sem pressa alguma...
Quando a vida tinha, ainda, trilha sonora;
Lamartine era o vento, Noel não morria,
Ataulfo sambava e o samba era samba.

Queria era poder usar luneta de uma lente só,
Sair de terno e chapéu coco,
Tomar o bondinho e me sentar
Diante do coreto novo de alguma praça nova,
No entanto, aprazivelmente antiga e descolorida,
Onde o céu era sempre cinza
(Não cinza como este céu moderno,
Era um cinza azul de sol,
De um sol que ninguém via,
Pois não se tinham ainda inventado outras cores).

Eu queria mesmo era passar o dia
Vendo as raparigas passarem,
Ligeiras, bem-vestidas, todas elas eternas,
Com seus bustos à mostra – seus bustos de mármore
(um mármore morno e beijável);
Metidas em seus cálidos vestidos,
Com suas sombrinhas e seus chapéus de plumas graciosos.
Sempre tudo em branco e preto.

Queria lhes seguir o rastro dos vestidos
E, diante dos portões pretos de suas casas brancas,
A cada uma delas ofertar uma rosa cinza
(cinza como toda rosa antiga),
Depois, à noite, lhes cantar doces serenatas;
Levar-lhes ao parque aos domingos
E viver rodando num carrossel contínuo e incerto,
Sem ter que ter razão,
Sem nunca evoluir...

Queria eu, este arco-íris sem cor,
Poder amar uma preta lá do morro
E morrer toda noite de um novo amor!

Depois amanhecer na areia da praia,
Na beira do mar cinzento,
Onde as moças brancas exibiam
Seus divinos maiôs pretos.
Era tudo assim: sempre branco e preto,
Cinza, preto e branco...

Hoje pintaram o mundo e tudo perdeu a graça!
O cinema fala, dança e canta;
Já não mais encanta,
Só engana o povo...
Tudo agora ocorre à noite,
Que, ora, vejam só vocês, também vem em cores.

Hoje pintaram o mundo!
Pintaram, sim!
Pintaram o mundo, hoje!

E a praça morreu.
O coreto morreu.
O morro morreu...

O cinza do mar,
A preta do morro,
Noel rosa,
O samba,
O bondinho,
O cinema,
As raparigas eternas
E eu...

Tudo morto.
Tudo vivaz e coloridamente morto!

E, por largas avenidas,
Cada vez mais cheias e mais coloridas,
Rodando em seus carros cada vez mais coloridos,
Vão, agora, os homens.

Vão, todos, apressados e tristes.

Mas não mais do que eu,
Tão triste e tão profundamente melancólico
Quanto um defunto antigo
A quem esqueceram de enterrar.